Há vidas que nascem poesia. E aquelas que nem estrofe
encontram para se encaixar.
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Andei apressada, a caixa nas mãos latejando os pensamentos.
A velha conhecida ruazinha de todo dia não parecia a mesma. Nunca percebera os
matos que cresciam desordenadamente em sua encosta ou o fio solto do poste que
pendia perigoso. As árvores grandes demais e cheias demais com sua agitação
incomum pareciam querer me acompanhar, com toda sua inquietude tempestuosa. As
pessoas passavam despercebidas do mundo que se construía ali, no mesmo lugar de
sempre.
Mergulhei na vida de outra pessoa. Alguém que esperava uma
resposta ou tentava dizer. Palavras que desejamos ouvir, mas nunca são ditas,
que nos traem em nossa pressa pelo amanhã que não vem, porque não o
compreendemos, porque não permitimos que ele chegue. Ali era silêncio, apesar
das inúmeras páginas escritas. Era uma só voz, que terminou esquecida em um
meio de rua qualquer.
A caixa trazia dezenas de papeis, ordenados não sei ainda se
sob alguma lógica. Fragmentos de uma vida, costurada entre sentimentos que se
esparramavam sem pudor sobre as folhas amarrotadas. Quem os teria derramado
dessa forma?
“Foi, como costumam dizer, à primeira vista. Olhar
compenetrado, ar de quem sabe o suficiente para não esnobar quem lhe cerca.
Apenas primeiras impressões. Até então não entendia como coisas assim podiam
acontecer. Como podia enxergar o outro sem nunca ao menos tê-lo visto antes.
Assim de repente, sem qualquer precedente.
E lá estava, frente a frente a observar. Sorriso de quem
se prepara para ir além. Sorriso fácil, sincero. Horas a observar cada
trejeito. Pequenos movimentos, palavras. A voz entoando a melodia antiga, tão
familiar. Quis estar ali para sempre, ao lado, mãos dadas, braço sobre os
ombros cansados, em êxtase. Quis estar ali, mas se percebeu a voltar. A saudade
antecipando o tempo.
Tentou compreender o que se passava, compreender os
gestos bruscos, a cabeça baixa como a esperar. Mão impaciente a passear de um
lado para o outro. Mãos inquietas tentando controlar o nervosismo. Olhava para
o lado. Olhar de quem pergunta, de quem diz por que, sem esperar resposta. Fez
do momento seu, porque o sabia seu”.
O trecho iniciava com mistério a história que se desenhava
bela. Ou triste.
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