sexta-feira, 19 de setembro de 2014

A bordo - relatos de uma viajante em início de estrada (Parte III) - Eu, depois de mim



Havia me perdido de mim. Entre os tantos caminhos que nos são ofertados ao longo da jornada, por vezes escolhemos o que nos desconstrói. Não como se reinventar, mas como nadar contra a maré. Eu, destemida, audaciosa, segura de minhas convicções, vi os adjetivos serem levados por uma corrente que não consegui acompanhar. E fui então percebendo a minha falta de habilidade com a vida real.

Há cerca de dez anos, em uma auto-entrevista, tracei um perfil do que seria, ou do que imaginava ser. Relendo, ainda identifico muito do eu daquele tempo em mim hoje. “Quero tudo ao mesmo tempo e ao mesmo tempo não quero tudo, quero só o suficiente pra me fazer sentir bem. (…) Prezo pelo lado simples da vida porque este já é complicado demais”. Naquela época eu não tinha ideia desse “complicado” e de como na maioria das vezes tornamos tudo mais difícil por não sabermos lidar com nossos próprios sentimentos, por não saber compreendê-los ou transformá-los em ação.

Eu ainda não sei. Mas adquiri certa consciência do quanto isso é importante e do quanto sair de si mesma e da imutabilidade de se ser ajuda a saber. Viajei. Conhecer o que se vê apenas em publicações ou nas imagens retorcidas da televisão nos dá uma dimensão do que somos, do que desejamos ser. Sentir lugares diferentes, pessoas com pensamentos tão diversos, ritmos, sons, cheiros, paisagens que não estão presentes em nosso cotidiano nos faz ter uma visão mais ampla de nós mesmos. Nunca voltamos igual, por menos perceptível que seja.

Ainda tento sair da contra-corrente. Ainda tenho a sensação de que nado sem sair do lugar, mesmo sabendo que aos poucos estou retomando o meu caminho. Desta vez sem tanta euforia e sem tanta pressa de me definir em palavras, de me precisar em propriedades, tamanho e peso, como uma embalagem de um produto qualquer. 


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