quinta-feira, 22 de dezembro de 2016

Sobre conversas e saudades



“A gente tem que se motivar e procurar outros sentidos (pra vida). Não pode abdicar. Por mais difícil que seja, buscar uma compreensão”.

Eu escrevi o trecho acima, é parte de uma conversa com alguém que hoje é lembrança e saudade. Na ocasião, lá pelos idos de 2012, falávamos de perda, de vida e sobre continuar. Costumávamos conversar pelo bate-papo do Facebook, distantes dos olhares e ouvidos alheios, por muitas vezes diminuindo minhas tardes quase intermináveis no trabalho. E falávamos sobre tudo, sobre futebol, família, distâncias. Conversas longas, ou às vezes somente um “Inaises” perdido no meio do dia, como se dissesse: “estou por aqui”.

Eu era dez anos mais nova que ele. Diferença que pode parecer enorme quando se é apenas uma criança. Eu pirralha, ele já frequentando a universidade. Mas, curiosamente, quando chegavam as férias e eu ia para Salvador, era com ele que eu gostava de ficar. O primo que sorria, inventava e fazia de qualquer coisa brincadeira. Eu, pouca idade, lembro de caminhar pelos corredores de Engenharia da UFBA feito gente grande, sob seu olhar atento. Assisti a aula, fiz questionários e ele sempre a sorrir.

Tinha nove ou dez anos quando minha mãe me pediu para escolher um padrinho. A única que teria o direito a escolha, sejam lá quais fossem as razões. Sei que não pensei muito naquele momento. “O Marcus”, respondi. Por tudo o que significava, pela companhia, pela atenção e cuidado que tinha comigo. Não tive dúvidas.

Da infância restou muito. Os passeios intermináveis, as idas ao Barradão, os filmes que fazíamos, as cantorias, as brincadeiras que por muitas vezes adentravam as madrugadas. Um carinho que cresceu comigo, resistente às idas e vindas do dia a dia que nem sempre unem. Que só crescia nas longas ou rápidas conversas de internet, ou nos papos certos que tínhamos sempre que eu ia lá.

Hoje o Marcus não está mais aqui. Há pouco mais de dois meses deixei Salvador com uma incredulidade que ainda não passou. Com sentimentos atravessando a garganta. Buscando confiar no tempo para dissolver as dores e alimentar as boas lembranças, sejam minhas ou de toda família.

E somente hoje consegui colocar esses sentimentos em palavras, ao relembrar nossas conversas e o que ele me respondeu lá pelos idos de 2012, quando falávamos de perda, de vida e sobre continuar. “Para mim o certo é viver a vida intensamente. Aproveitar com responsabilidade, dizer eu te amo para as pessoas sem ter vergonha. Valorizar a convivência com aqueles que amamos, porque deixar pra depois pode ser tarde demais”.

Ele estava certo. Temos que viver e aproveitar o amor cultivado. Lembrar com saudade sua presença, seu sorriso, a maneira como conseguia cativar a todos. E agradecer por ter tido essa oportunidade. Luz e o meu carinho eterno, Marcus!  

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Para você, com carinho

Não tinha uma vez que eu fosse em Salvador que não passasse por lá. Aquele sem fim de livros que iam se amontoando em um espaço tão pequeno me transportava para um mundo onde os limites eram impalpáveis. Era o Cantinho do Sebo, dois corredores bem estreitos e curtos, abarrotados por obras dos mais diversos gêneros, das mais diferentes origens. E ali, me esbarrando entre um e outro livro, impregnando o nariz com a poeira insistente, me prendia às histórias contidas em breves dedicatórias.

Elas eram muitas e isso sempre me fascinou pelo fato de que era um pouco daquelas pessoas desconhecidas exposto em prateleiras, talvez junto de seus autores preferidos, talvez na contracapa de um livro nunca lido. Imaginava como teriam ido parar justamente ali, no cantinho que era meu ponto preferido em todas as férias, que caminhos teriam percorrido até estarem ao alcance de minhas mãos.

Há anos não vou no Cantinho, mas o encanto por livros e dedicatórias continua inabalável. Hoje, em um hábito quase diário, percorro sebos virtuais. Já não há a poeira insistente, ou as muralhas de livros empilhados magicamente, desafiando a gravidade. Nem tampouco as dedicatórias e os sentimentos sempre contidos nelas. A não ser que...

Qual não foi a minha surpresa quando abri o pequeno pacote vindo pelos Correios. O livro, “O filho do Brasil” de Denise Paraná, eu já esperava. Primeira edição, do ano de 1996, usado, mas bem conservado, trazia nas páginas um pouco amareladas pelo tempo pequenas marcas de alguém que não conheci. Logo ali no começo uma dedicatória: “Para a querida Eliane Gonçalves com carinho do Lula. Sem medo de ser feliz”, datado em 12 de dezembro daquele ano, sem indicar lugar.

Sorri instantaneamente. Não era apenas mais uma dedicatória. Trazia a assinatura do próprio biografado. Pensei no porque a pessoa teria se desfeito do livro. Pensei se conhecia o personagem ou se participara de um momento de autógrafo. Será que era sua eleitora? Será que se decepcionou? Teria sido presente de alguém? Teria conhecimento de que o livro andava pelo Brasil parando no interior baiano? Muitas perguntas, nenhuma resposta e aquela mesma sensação que tinha ao folhear as obras no Cantinho.


Esta não tinha sido a primeiro vez. Um presente dentro de um presente, ainda que não destinadas a mim, as dedicatórias falam de maneira a ressignificar a obra, a ampliar seu sentido, ao menos quando as leio. “Uma duas”, romance de estreia de Eliane Brum, me foi dado por uma amiga com um carinho especial. A poesia da escrita da autora transbordando na dedicatória à moça que, sabe-se lá porque, desfez-se do livro. De São Bento a Juazeiro. “Para Izabel de Oliveira, uma história de nossos oceanos profundos, lá onde vivem os peixes cegos. Eliane Brum”. Foi tão para mim que veio até mim. E a felicidade por isso é indescritível.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

O dia seguinte

Foto: Marcelo Camargo/ Agência Brasil

Eram sorrisos de canto de rosto. Eram gargalhadas. Era a voz acuada que tentava se fazer ouvir em meio a urros de prazer e satisfação. Foi o cinismo estampado no rosto. A hipocrisia desnuda para milhões em rede nacional. Foi a propina, o dinheiro, o poder. E se seguiram os “sins”, tão torcidos, tão queridos por muitos que têm o xingamento como único argumento. Era “pelo fim da oligarquia do PT”. Ou pelo futuro dos filhos, dos netos, pelos 40 anos de mandato. E pela continuidade das famílias coronelescas que se perpetuam mandando, enriquecendo, mentindo, manipulando, subtraindo, devastando, destruindo. Mas que seguem impunes. Porque são a lei, porque são a justiça. Porque são injustos.

Era a ironia, a mudança de opinião sem qualquer opinião formada. Era a conveniência. Se seguia um a um, em nome da mulher, em nome do pai ladrão, em nome de um presidente réu, comprovadamente corrupto. Mas era contra a corrupção. Contra todas essas pessoas que se encheram de direitos alimentados pelo Bolsa Família. Foi a Bahia, quase uma exceção, execrada nas redes sociais que destilaram seus preconceitos anonimamente, porque, como os deputados, reconhecem sua impunidade. Era pela igreja, igreja instituição, que não paga impostos, que rende dinheiro, que rende reconhecimento, que aliena, que prende, domina, intimida, convence e manda.

Era a falta de educação. Tudo em nome do bem estar do MEU povo brasileiro. “Meu”, “minha”, pronomes que deixavam claras as intenções. E as pedaladas foram virando coadjuvantes. E os decretos foram virando coadjuvantes. Como são desde o início, pretextos apenas para a realização de uma eleição indireta, tal qual lá naqueles tempos sombrios que um deputado desprezível fez questão de exaltar. Era a baixaria, a sem-vergonhice de pessoas eleitas com salários absurdos, com regalias desnecessárias, que pisam diariamente na Constituição. Que mataram ao menos uma parte do país de vergonha, ao ver todo aquele circo em nome de uma nação.

São as pessoas decepcionadas porque pensavam que a presidente já não estaria no cargo. São as pessoas torcendo sem sequer saber o porque. Porque dizem que um lado é o bom e o outro o mau. Que um lado é honesto e o outro corrupto. Que um lado é o mocinho e outro o bandido. Que na segunda-feira tudo estará no seu lugar como antes. Antes? Que antes?


Sim, estou triste. Mas não é tristeza simplesmente, é uma indignação que machuca. Hoje, depois deste dia 17 de abril, ainda custo acreditar que a política do país se resumiu a um maniqueísmo medieval, rezado e gritado aos quatro cantos em nome de Deus e da família. Estou triste e temerosa. Que o dia seguinte não seja longo demais.