quarta-feira, 27 de abril de 2016

Para você, com carinho

Não tinha uma vez que eu fosse em Salvador que não passasse por lá. Aquele sem fim de livros que iam se amontoando em um espaço tão pequeno me transportava para um mundo onde os limites eram impalpáveis. Era o Cantinho do Sebo, dois corredores bem estreitos e curtos, abarrotados por obras dos mais diversos gêneros, das mais diferentes origens. E ali, me esbarrando entre um e outro livro, impregnando o nariz com a poeira insistente, me prendia às histórias contidas em breves dedicatórias.

Elas eram muitas e isso sempre me fascinou pelo fato de que era um pouco daquelas pessoas desconhecidas exposto em prateleiras, talvez junto de seus autores preferidos, talvez na contracapa de um livro nunca lido. Imaginava como teriam ido parar justamente ali, no cantinho que era meu ponto preferido em todas as férias, que caminhos teriam percorrido até estarem ao alcance de minhas mãos.

Há anos não vou no Cantinho, mas o encanto por livros e dedicatórias continua inabalável. Hoje, em um hábito quase diário, percorro sebos virtuais. Já não há a poeira insistente, ou as muralhas de livros empilhados magicamente, desafiando a gravidade. Nem tampouco as dedicatórias e os sentimentos sempre contidos nelas. A não ser que...

Qual não foi a minha surpresa quando abri o pequeno pacote vindo pelos Correios. O livro, “O filho do Brasil” de Denise Paraná, eu já esperava. Primeira edição, do ano de 1996, usado, mas bem conservado, trazia nas páginas um pouco amareladas pelo tempo pequenas marcas de alguém que não conheci. Logo ali no começo uma dedicatória: “Para a querida Eliane Gonçalves com carinho do Lula. Sem medo de ser feliz”, datado em 12 de dezembro daquele ano, sem indicar lugar.

Sorri instantaneamente. Não era apenas mais uma dedicatória. Trazia a assinatura do próprio biografado. Pensei no porque a pessoa teria se desfeito do livro. Pensei se conhecia o personagem ou se participara de um momento de autógrafo. Será que era sua eleitora? Será que se decepcionou? Teria sido presente de alguém? Teria conhecimento de que o livro andava pelo Brasil parando no interior baiano? Muitas perguntas, nenhuma resposta e aquela mesma sensação que tinha ao folhear as obras no Cantinho.


Esta não tinha sido a primeiro vez. Um presente dentro de um presente, ainda que não destinadas a mim, as dedicatórias falam de maneira a ressignificar a obra, a ampliar seu sentido, ao menos quando as leio. “Uma duas”, romance de estreia de Eliane Brum, me foi dado por uma amiga com um carinho especial. A poesia da escrita da autora transbordando na dedicatória à moça que, sabe-se lá porque, desfez-se do livro. De São Bento a Juazeiro. “Para Izabel de Oliveira, uma história de nossos oceanos profundos, lá onde vivem os peixes cegos. Eliane Brum”. Foi tão para mim que veio até mim. E a felicidade por isso é indescritível.

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